(O título deste artigo é inspirado numa caricatura que corre por aí nas redes sociais, através do personagem Jovem Conservador de Direita (link). Dos vários assuntos abordados por este Dr. Jovem, não falta lá o “seu” estagiário e a visão de um “empreendedor” do que é a missão de tal figura. O estagiário do Dr. Jovem tem uma conta no Instagram chamada estagiariofromhell69.)

Ao longo de mais de vinte anos de carreira nas TI, já perdi a conta a quantos estagiários tive oportunidade de conhecer no contexto de trabalho. E fi-lo em diversos papéis, desde o técnico a quem o chefe diz “Olha lá, este tipo vai-te acompanhar nas próximas semanas para aprender como se trabalha no mundo real” até ao responsável, monitor, supervisor, orientador, avaliador, membro de júri de PAP ou de Tese de Mestrado. Tenho, pois, mais conhecimento prático da situação como ela é, do que conhecimento teórico sobre como deveria ser. É com esta condicionante que escrevo estas linhas.

A partir do momento em que assumi funções que incluíam responsabilidades de recrutamento, entendi rapidamente que os recém formados (em qualquer nível de ensino) careciam não só de conhecimentos técnicos actualizados mas tinham também de um deficit daquilo que chamo “aprender a aprender”.

Esta última característica é a que eu considero mais importante num profissional das TI. Não há quase nada a não ser os conceitos básicos que se possa reter da formação sistematizada numa escola ou universidade. Tudo o resto (exagerando) deixa de ser válido no dia seguinte. A capacidade de continuar a aprender, a maior parte das vezes sem professores, escolas ou cursos de formação é o activo mais importante que um profissional de TI deve deter.

Tudo isto é válido também para Estagiários. E é fundamentalmente o contacto com essa necessidade de aprender a aprender que o estágio deverá proporcionar. Mais, esse contacto com um ambiente em que constantemente temos de aprender, sozinhos, deve ser a parte de leão da experiência do Estagiário enquanto tal. Saber investigar sistematicamente. Encontrar soluções técnicas, saber testá-las e deitá-las fora se for caso disso. É o MÉTODO, mais do que o conhecimento, que devemos trazer da escola para a empresa.

Na realidade, os estágios são oportunidades excelentes para as empresas cultivarem os seus futuros recursos humanos. Terão de ter presente, no entanto, que aquele estagiário específico poderá não ser o seu futuro colaborador. Aquele estagiário específico poderá ir trabalhar para a concorrência. É talvez um contra-senso em termos de investimento, mas esta é uma área na qual temos de ter uma perspectiva corporativa. Temos de olhar para um “nós” que seja todo o ecossistema das TI. E trabalhando nessa perspectiva, poderemos, regularmente, criar uma nova geração de excelentes profissionais.

A tendência, que vejo a agudizar-se ano após ano, é a das empresas considerarem o Estagiário como mão de obra com custo zero (ou pelo menos de custo muito reduzido). Precisamos de realizar uma tarefa, e logo lá vem “não se arranja um estagiário que possa fazer isso?”. Claro que poderemos pensar neste “aproveitamento” como uma questão de competitividade das empresas, da redução de custos, da optimização de investimentos. Será que a eterna crise nos leva para aí? Talvez. E talvez os empresários pensem que esta é uma forma de tornear essas dificuldades.

Como noutros (muitos) casos da gestão empresarial, esta atitude reflecte uma falta de visão estratégica, senão mesmo táctica. Por um lado porque na realidade, equipas constituídas por grande percentagem de Estagiários (ou “equipas” de um estagiário) carecem exactamente do know-how necessário. Assumimos que estudaram e sabem realizar tarefas simples, supervisionadas, de baixo valor, digamos assim. Mas antes disse tínhamos dito que os Estagiários “não sabem nada do mundo real”. Outro contra-senso ao qual fechamos os olhos porque… é à borla.

Mas não é. Vai custar dinheiro. Não termos capacidade de antecipar essa perda, ou ser-nos demasiado tentador experimentar, não altera a realidade.

Quem esteve nesta situação do lado do responsável do projecto que é provisionado com meia dúzia de Estagiários, sabe bem qual é o resultado: um esforço enorme para levar a bom porto cada uma das tarefas do projecto, esforço esse exigido ao gestor do projecto ou ao responsável directo pelo estagiário. E uma frustração do Estagiário pois é-lhe exigida demonstração de competência sem que antes lhe seja fornecida a formação (sim, pois é, estamos a falar de FORMAÇÃO em contexto de trabalho).

E do lado mais frágil, (o do Estagiário) há também atitude a corrigir. Desde logo o entendimento que um estágio não é a entrada no mundo do trabalho, mas parte da formação. Ou melhor, é a transição. E numa transição, as coisas tornam-se mais instáveis, menos definidas. Há necessidade de estar mais atento, ser mais inquisitivo, não deixar passar o que não se entende à primeira, não pensar que se tem de tirar “10” no exame final. Não há exame final no dia a dia do profissional (embora exista a “nota” do estágio).

Apesar do contexto ser “a empresa” ou “o projecto”, o Estagiário está a estagiar para aprender. Necessita de ser acompanhado, guiado, é certo. Mas tem de ter bem presente que: 1 – o que aprendeu na componente curricular do curso não é mais do que capacidade para “aprender a aprender” e 2 – tem de aprender sozinho. Por muito bom que seja o acompanhamento e a disponibilidade do monitor do estágio, o Estagiário tem, porventura, mais do que noutra qualquer altura da sua vida profissional, de procurar, de compreender, de perguntar, de escrever, de experimentar, de se auto-avaliar e isto todos os dias a todas as horas. A missão do Estagiário é só uma: aprender na empresa o que não pode ser ensinado na escola.

Pensemos pois, todos (escolas, empresas, estagiários futuros e actuais) se realmente queremos formar gerações de recursos competentes, preparados para criar valor através da sua actividade nas empresas ou se preferimos ter quatro meses de mão-de-obra a custo zero.

Esta é uma missão colaborativa e daquele tipo em que os frutos são os resultados colectivos e não individualizados em relação a cada um dos intervenientes.

Se as empresas e os Estagiários incorporarem esta forma de ver os estágios, todo o sector terá a ganhar. Sim, eu sei: vivemos tempos em que as empresas têm de sobreviver no fio da navalha. Têm de ser competitivas. “Se os outros fazem assim, se eu não fizer, não sobrevivo”. Mas se as empresas não assumirem este compromisso, este projecto colaborativo a três – empresas, escolas e estagiários – a próxima geração de profissionais das TI não sobreviverá num mercado que hoje garante emprego, é certo, mas que é cada vez mais competitivo não só nos produtos e serviços das empresas como no perfil dos profissionais.

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